quarta-feira, 25 de março de 2009

Quadro de Dona Inês e Dom Pedro


Inês e a saudade do impossivél

“ATÉ O FIM DO MUNDO”: INÊS DE CASTRO E A SAUDADE DO
IMPOSSÍVEL
Márcia Valéria Zamboni Gobbi (UNESP)1
RESUMO: O objetivo deste texto é o de apresentar e discutir o processo de
formação do mito de Inês de Castro no âmbito da cultura e da literatura
portuguesa, em especial, com a finalidade não só de justificar a sua
importância e a sua vitalidade ao longo dos séculos nos quais se construiu e
se consolidou a imagem do ser português que nos interessa estudar, como
também fornecer alguns elementos que nos permitam apresentar um breve
comentário sobre duas narrativas de autores portugueses que revisitam, em
nosso tempo, esse mito (o conto “Teorema”, de Herberto Helder, e o romance
Adivinhas de Pedro e Inês, de Agustina Bessa-Luís), lendo-o a partir do olhar
deslocado que é o da contemporaneidade.
PALAVRAS-CHAVE: narrativa portuguesa contemporânea; relações entre
ficção e história; mito e imaginário; ironia.
Introdução
A História é uma ficção controlada. A verdade é coisa muito
diferente e jaz encoberta debaixo dos véus da razão prática e da férrea
mão da angústia humana. Investigar a História ou os céus obscuros
não se compadece com susceptibilidades. Que temos nós a perder?
(BESSA-LUÍS, 1983, p. 224).
A pergunta lançada pelo fragmento em epígrafe parece constituir um mote
interessante para a reflexão que se deseja propor neste breve ensaio crítico, que coloca
em cena, novamente (tirando-as do sossego que, de fato, nunca tiveram), as figuras
altissonantes de D. Pedro e Inês de Castro, as quais povoam o imaginário português –
mas não só – desde que viram suas histórias pessoais entrelaçadas indissoluvelmente à
História de uma Nação que ainda buscava, de forma incerta, os rumos a tomar.
Jorge de Sena, num estudo alentado e pleno de erudição publicado em 1963, no
primeiro volume da série intitulada Estudos de História e de Cultura, alertava para fatos
bastante interessantes que mostram, a nosso ver, a importância de pensar-se no “caso”
de Inês e Pedro num sentido em que ele, ao mesmo tempo, “encarna” na História e a
transcende, já que, motivado, por um lado, por injunções contextuais específicas
(principalmente políticas), não pode deixar de ser lido no âmbito de sua significação
histórica - e mesmo no de uma filosofia da história portuguesa, como propõe o mesmo
Sena; por outro lado, ao dar corpo ao tema já tornado clichê, mas nem por isso
fragilizado, da perdição de amor, associado ao do amor eterno, que supera a própria
morte, responde a esta ânsia humana de contornar o tempo, de permanecer, de
imortalizar – processo que, na perspectiva aqui adotada, liga Inês ao mito, já que sua
presença se reatualiza (e, nesse sentido, se ritualiza) nas inúmeras narrativas que, ao
longo dos séculos, vêm lhe dando corpo e sentido.
Sena (1963, p. 136) recorda que, já no século XVI, Inês não só era cantada em
verso lírico, épico e dramático, em língua portuguesa, como estendia sua presença e
1 Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Ciências e Letras, campus de Araraquara. Departamento
de Literatura. mvzg@fclar.unesp.br
infiltrava-se em diferentes culturas, onde era igualmente glosada em textos como os dos
dramaturgos espanhóis Mejia de Lacerda (na Tragedia famosa de Dona Iñez de Castro,
Reina de Portugal) e Velez de Guevara (em Reina después de morir), referências que
apenas nos dão uma idéia do largo inventário sobre a presença de Inês na literatura
realizado pelo renomado escritor português.
Vemos, neste processo, a figura se tornando tema, o caso localizado adquirindo a
estatura de modelo universal. É interessante notar que Jorge de Sena aponta condições
históricas favoráveis e, em certa medida, necessárias para que o caso de Inês se
solidificasse: primeiro, o fato de que, por uma série de complexos entrelaçamentos
familiares e dinásticos, Inês era, cerca de século e pouco passado de sua morte, “avó”
de reis e de imperadores espalhados por toda a Europa2, como Garcia de Resende (apud
SENA, 1963, p. 273) recordava em seus versos:
Os principais reis de Espanha,
de Portugal e Castela,
e imperador de Alemanha,
olhai, que honra tamanha,
que todos descendem dela,
Rei de Nápoles, também
Duque de Borgonha, a quem
toda França medo havia,
e em campo el-rei vencia,
todos estes dela vém.
Isso, num período de afirmação das nacionalidades (cuja sobrevivência era ainda
precária, portanto), dava a Portugal um lugar insuspeitado no cenário europeu; era
preciso, portanto, que se soubesse disso, que a linhagem dessa autoridade se desse a
conhecer, para que mais esse dado enobrecesse o já altivo posto ocupado pela Nação
portuguesa naquele seu século de ouro. Portugal não era só a Nação das grandes
conquistas marítimas, do espírito aventureiro que havia redesenhado o mapa do mundo,
superando os limites (mesmo os imaginários) do espaço então conhecido; era também a
Nação que havia dado ao mundo um outro exemplo de superação, igualmente digno de
ser louvado: a do tempo e da morte, com Inês e Pedro eternizados não só nos túmulos
de Alcobaça3 ou na Fonte dos Amores, mas principalmente na memória do povo, de que
aqueles monumentos eram pouco mais que a parte visível de uma pedra ancorada muito
mais no fundo do ser português. Maria Leonor Machado de Sousa, em seu estudo
sobre Pedro e Inês publicado no volume Portugal: mitos revisitados (1993), confirma
este argumento de que os fatos históricos e lendários que ajudaram a constituir o mito
realçam a forma de um amor que ultrapassa a morte e até faz mais que isso: “tenta
vencê-la, ao trazer ao convívio dos vivos o objecto desse amor, tratando-o como se vivo
fosse” (p.60)
E aí é que o processo de mitologização da história pela literatura se realiza
plenamente: Garcia de Resende, Camões, Antonio Ferreira, todos eles precedidos por
Fernão Lopes, passando por referências menos explícitas mas ainda assim identificáveis
em Gil Vicente4, contribuirão com seu quinhão de mestria para alçar Inês ao panteão
2 “Portanto, quando Garcia de Resende leu pela primeira vez, ou fez ler, em público, as suas trovas (o que
não terá sido muito depois de as ter escrito), ele o seu público sabiam que a maior parte da Europa
coroada descendia de Inês de Castro” (SENA, 1963, p. 273)
3 “Numa época que em tudo via símbolos ou os fabricava, o desejo violento de deter ao máximo a marcha
inexorável da vida e do tempo teve a expressão concreta possível: a construção de um monumento
funerário imponente e a proclamação póstuma de um casamento que possivelmente nunca existiu.
Exprime-se sempre de algum modo o desejo de vencer o tempo.” (SOUSA, 1993, p. 61)
4 Na Farsa dos Almocreves e na comédia alegórica intitulada Divisa da Cidade de Coimbra.
dos deuses lusitanos. Não importa, nesta passagem, que em Resende o caso esteja
recoberto por um didatismo moralizante, a alertar as moças incautas sobre o “galardão
que meus amores me deram”, como proclama Inês diretamente do Inferno dos
Namorados, onde fora condenada por Resende a permanecer; nem importa que, em
Antonio Ferreira, ela sirva ao exercício do modelo da tragédia clássica, pois é fato que
os escritores daquele século XVI tão impregnado da cultura da Antigüidade não teriam
dificuldades para reconhecer em Inês potencialidades da personagem trágica, que se
constrói na tensão decorrente do exercício da liberdade humana frente à imposição de
um destino fixado pelos deuses – e o Fado lusitano já se deixa aqui ouvir -, sendo por
isso, simultaneamente, agente e paciente, culpada e inocente, lúcida e incapaz de
compreender, dominadora e dominada; talvez importe um pouco mais a grandeza, em
todos os sentidos, da imagem de Inês que vaza do famoso episódio d’Os Lusíadas: é que
Camões pressente na morte de Inês o nascimento do mito, e por isso investe na
exaltação do Amor como entidade soberana, ao mesmo tempo em que faz de Inês a
personagem que não se dobra diante dos valores convencionais (que são os de uma
época determinada, historicamente motivados) e, por isso, vê-se na contingência de
escolher a morte a negar os valores que a impulsionaram a agir (que são os
valores”eternos”, fundados na idéia de que “qualquer maneira de amar vale a pena”).
O que importa mesmo é que, a seu modo (e parafraseando o que será séculos depois dito
por Pero Coelho, um dos matadores de Inês, no conto “Teorema”, de Herberto Helder,
comentado adiante), todos esses escritores do Quinhentismo português muito
trabalharam “na nossa obra” – a de mitificá-la - já que, agora, “D. Inês tomou conta das
nossas almas. [...] Nada é tão incorruptível como a sua morte. No crisol do inferno
havemos de ficar os três [Pedro, Pero e Inês] perenemente límpidos. O povo só terá de
receber-nos como alimento de geração em geração” (HELDER, 1975, p.121).
Por outro lado, tampouco importa, nesta passagem do fato ao mito, que nem
portuguesa Inês fosse, mas castelhana – e que, por isso mesmo, houvesse sido morta: o
discurso da memória coletiva, a sua fala (e aqui ressoa intencionalmente e
explicitamente a concepção barthesiana do mito) havia borrado esta informação em
prol de uma significância muito maior – a de que os encantos de Inês haviam subjugado
para sempre o seu rei, cruel só depois de a ter perdido, e cujos desvarios seriam
justificados pelo desespero, por uma “nostalgia [que exprime] uma esperança
desesperada”, a qual estaria, por isso, na base do “significado da famosa ‘saudade’
portuguesa – ‘um mal de que se gosta, e um bem que se padece’, como a define D.
Francisco Manuel de Melo”. (DURAND, 1997, p. 92). É assim que Gilbert Durand
compreende, então, o caso de Inês como motivo recorrente (na terminologia do autor,
mitema) do grande tema (para ele, mitologema), no âmbito do imaginário português,
da “nostalgia de um impossível que o passado irreversível e a morte irremediável
significam” (DURAND, 1997, p. 92).
Assim, voltando à epígrafe que nos serviu de mote: ela parece-nos adquirir
sentido, relativamente ao estudo proposto, na medida em que registra as ambigüidades
que recobrem o “caso” em cena: se, por um lado, as tais razões de Estado que
justificaram a morte de Inês, e que a inscreveram definitivamente na história de
Portugal, muito devem a argumentos cuja “verdade” pode ser questionada, pois
dependem obviamente do lugar que ocupavam e das intenções que motivavam seus
detratores, há, por outro lado, registrada no “caso” uma verdade “que é coisa muito
diferente e [que] jaz encoberta debaixo dos véus da razão prática” (BESSA-LUÍS,
1983, p.224) – esta verdade que situa Inês e Pedro no campo do imaginário e que dá
forma ao tema universal do amor impossível que “projecta o princípio da esperança para
o Além, o Além do ‘fim do mundo’ – como diz a inscrição de Alcobaça” (DURAND,
1997, p. 92), já que o objeto da paixão está inacessível neste tempo e neste espaço,
irremediavelmente separado do amador pela morte, mergulhando-o numa nostalgia
inconsolável e impelindo-o para uma vingança cruel.
Evidentemente, numa perspectiva histórica, o entendimento do “caso” de Inês e
Pedro não se pode fazer de modo tão positivo e, no limite, tão ingênuo. Mas o que nos
interessa aqui é observar justamente como se dá a passagem da história ao mito – o que
se enfatiza e o que se perde, e o que essas manipulações mais ou menos involuntárias
significam em relação a uma determinada concepção do que pode (ou deve) caracterizar
a imagem que um determinado povo constrói de si e para si. É exatamente nestes
termos que se coloca a ponderação de Maria Leonor Machado de Sousa (1993, p. 67) no
ensaio já referido:
Nesta perspectiva, a guerra civil em que D. Pedro lançou o país
após a morte de Inês seria, mais de que um acto de desespero, o
aproveitamento de uma situação indiscutivelmente grave para ele
como pessoa para conseguir objectivos que até então não pudera
alcançar. No “pacto de amnistia e concórdia” assinado por D. Afonso
e D. Pedro em Canaveses, o Infante, em paga das “cousas [...] em que
ele entende e razoa que não foi aguardada a sua honra nem o seu
serviço”, obteve finalmente a transferência de poderes quase totais.
Deste ponto de vista, sofre rude golpe o mito do desvairo nascido da
paixão amorosa, mas tais considerações não vão perturbar a lenda,
que se criou e fortaleceu na base desse e de outros mitos de que o
espírito humano não abdica, talvez como compensação de tantos
aspectos negativos que têm ensombrado as suas manifestações.
A finalidade desta breve passagem pelo que poderíamos caracterizar como o
processo de formação do mito de Inês é não só a de justificar a sua importância e a sua
vitalidade ao longo dos séculos nos quais se construiu a imagem do ser português que
aqui nos interessa como fornecer alguns elementos que nos permitam, agora, apresentar
o comentário de dois textos de autores contemporâneos que revisitam esse mito, lendoo,
como não poderia deixar de ser, a partir do olhar deslocado que é o da nossa
contemporaneidade. De fato, Inês, como poucas mulheres da nossa história (e da nossa
literatura), pode gabar-se do privilégio de ter chegado à contemporaneidade ainda
sedutora, atormentando espíritos tão diversos como os de Herberto Helder e Agustina
Bessa-Luís, só para ficarmos em dois dos mais renomados escritores portugueses ainda
vivos que sucumbiram (também) aos encantos da amada de Pedro. No entanto, e
justamente porque situados neste contexto, os leitores privilegiados da história que são
Helder e Agustina só poderiam criar narrativas desconfiadas, ambíguas, não
“resolvidas”, que registram exatamente o ceticismo e a ironia que regem a forma como
hoje nos relacionamos com essa consistente mitologia, com a tradição histórica e
literária que lhe deu estofo ao longo dos séculos. É no sentido de verificar o modo como
esses dois autores revêem o caso de Inês que apresentamos os comentários que seguem.
1. O narrador na mediação entre ficção e história: as Adivinhas de Agustina
Bessa-Luís
Na própria concepção do foco narrativo do romance de Agustina percebe-se uma
tentativa de, simultaneamente, recolocar e questionar vários dos argumentos e das
interpretações que vieram se agregando aos - chamemos assim - fatos nucleares que
sustentam o lastro histórico do “caso” de Pedro e Inês. Assim, vemos que, no romance,
uma atitude investigativa e um discurso, por isso mesmo, quase dissertativo, a serviço
de uma tentativa de reconstrução dos fatos passados “tal como ocorreram”, mesclam-se
com intromissões declaradamente invasivas de um narrador que se apresenta em
primeira pessoa, dialogando com as figuras-chave daquela história e buscando entendêla
não mais ao nível da verdade histórica, mas pela imaginação que lhe vai preencher os
vazios.
Como um exercício para tentar desvendar o como se faz a ficção da narrativa de
Agustina, podemos tomar elementos interessantes deste fragmento, que põe em cena o
Dr. João das Regras, cuja participação no “caso” Inês de Castro fora fundamental para o
estabelecimento da legalidade do casamento dela com D. Pedro, anunciado por este ao
suceder ao pai no comando do trono português:
Aproveitando a passagem do Dr. João das Regras no solar de sua
sogra em Valdigem, que fica para os meus lados, fui vê-lo um dia
[...]. Eu comecei por lhe perguntar se, na sua opinião, Inês tinha de
facto casado com D. Pedro. [...].
- Eu não provei nada. Limitei-me a calar as bocas, que a política
não se faz com murmúrios. O meu estilo, aprendi-o com Santo
Agostinho; chama-se o estilo subjugado. Quando um assunto é
difícil, devemos aparentar submissão e disposição ao acordo. E, de
repente, atacamos com um brilho e uma força capazes de fazer
parecer um argumento que era incontestável, da parte do adversário,
um argumento falso. Era assim que eu tratava as minhas questões.
- Infelizmente o que Fernão Lopes escreveu não dá idéia.
Sobretudo não dá a idéia do seu poder de integração. Convencer é
integrar o espírito dos outros na nossa área mental.
- É isso exactamente. [...] Mas agora estou retirado. Há uma regra
que ainda aplico: apóia a tua causa nos modelos esteriotipados da
opinião popular.
- Parece muito seguro, mas pouco imaginativo.
O doutor mexeu-se no banco de pedra e vi algum desprezo nos
seus olhos saltões. Estava a relegar-me para o campo dos artistas, ao
nível de um alfaiate ou de um armeiro. (BESSA-LUÍS, 1983, p.119-
21)
Este fragmento é interessante por diversas razões: exemplifica a convivência de
tempos, promovida pelo narrador por meio de sua máscara de personagem, que, em
busca do preenchimento dos muitos vazios que a história de Pedro e Inês foi deixando
pelo caminho, chama novamente à vida não os seus protagonistas, mas todos aqueles a
quem, com raras exceções, a história deu uma voz menos audível – apesar de
constituírem peças fundamentais nos enlaces e desenlaces que pontuam esse
imorredouro “caso” amoroso.
Além disso, há no fragmento um pequeno trecho, muito significativo, em que o
discurso parece dobrar-se sobre si mesmo, reduplicando-se metonimicamente e
propondo algumas isotopias que podem nos ajudar a reconhecer o eixo para o qual
convergem os diversos argumentos (já que o tom dissertativo do romance é evidente)
espalhados pelo texto: João das Regras, ao caracterizar seu “estilo subjugado”,
aprendido de Santo Agostinho, ilumina a própria forma de composição que a narrativa
vem seguindo. Pois não se trata, ainda, de um “assunto difícil”? E, nesse caso, melhor
do que estabelecer uma verdade não seria cooptar os adversários, através da
argumentação esperta, integrando-os “na área mental” do narrador? Convencer,
portanto, não seria prerrogativa do discurso jurídico, pautado, no caso dos personagens
em cena, sobretudo, pelo direito canônico, e representado pelo advogado João das
Regras. Também a ficção poderia convencer, se mobilizasse bem seus argumentos em
favor de uma verdade possível – e isso assusta João das Regras, para quem o poder de
convencimento estaria apenas na verdade legitimada – ainda que estabelecida pelos
“modelos esteriotipados da opinião popular”; daí a desconfiança que o ilustre advogado
lança em direção ao discurso imaginativo de sua interlocutora, “relegando-a para o
campo dos artistas”. Ou seja: o que queremos argumentar é que, neste fragmento, a
narradora está confrontando, ao nível do discurso ficcional, os possíveis modos de
construção da verdade, em que a própria ficção se inclui, em pé de igualdade com
outros discursos – o jurídico, o histórico, o do “senso comum”; é nesse sentido que a
narrativa dobra-se sobre si mesma, constituindo-se como uma metalinguagem.
Prosseguindo em sua linha argumentativa, a narradora não deixa que a incômoda
solidez do discurso do senso comum se fixe – e contra-argumenta (agora, sem disfarçarse
em personagem, mas com a voz do narrador-investigador que, afinal, está apenas
retomando, em termos já impregnados pela ideologia da nova história, a célebre
distinção aristotélica que dá à criação poética uma amplitude superior à do registro
historiográfico):
Não sei porque se dá mais crédito à História arrumada em arquivos,
do que à literatura divulgada como arte de poetas. Mentem estes
menos do que os outros; porque a inspiração anda mais perto da
verdade do que o conceito problemático da biografia, que é sempre
cautelosa porque julga tratar de factos que a todos unem e interessam;
e que acabam por ser, por isso, mais políticos do que relações de
tempo entre homens. (BESSA-LUÍS, 1983, p. 132)
Pois é assim, justamente – apresentado argumentos, integrando o leitor em sua
área mental - que se configura a narrativa de Agustina: não quer se impor como
verdade, ainda que outra. Pelo contrário: levanta muito mais questões do que resolve;
pergunta muito mais do que afirma; contrapõe muito mais do que harmoniza – enfim,
propõe-se (e propõe-se-nos) como adivinha. Ou seja: chama a participação do leitor,
compartilha com ele os nós, as hesitações, os ganhos e os danos que fazem parte de toda
busca do conhecimento, sem esperar, entretanto, por uma resposta definitiva.
2. Teorema e a escrita enviesada
No caso do conto de Herberto Helder, “Teorema”, publicado em 1963 no
volume Os passos em volta, o que ocorre é que, ao mesmo tempo, o texto resgata a
origem do mito e ressalta, por meio de uma linguagem ambivalente, a sua falácia, no
sentido de que o mito se revela, então, como construção historicamente motivada em
que se apagam a sua constitutiva função explicativa, cosmificadora, universalizante, e o
seu poder conciliador e unificador, para sobrelevarem as contradições implicadas na
compreensão de uma história que a ficção questiona. Parece-nos possível, então, falar
em uma paródia do mito, discursivamente construída, e que tem por efeito provocar
uma desestabilização no leitor, na medida em que recoloca, a partir de outros prismas,
as suas expectativas, os seus condicionamentos e as suas convicções na leitura do
processo histórico. O uso abusivo, mas nada aleatório, da adjetivação do conto (“rei
louco, inocente e brutal”; “gente bárbara e pura”; “espetáculo sinistro e exaltante”)
parece justamente servir de “instrumento” de acentuação dessas contradições.
Quanto ao processo irônico de construção da narrativa, ele é evidenciado pela
própria figurativização do texto, pois D. Pedro come o coração de Pero Coelho e este
passa a viver e a crescer dentro daquele. Da mesma forma que o mito cristão tem como
motivo o alimento partilhado, D. Pedro, ao alimentar-se do corpo (ao menos de parte do
corpo) de Pero, alimenta-se também de tudo o que ele representa e contém.
Do mesmo modo, o texto de Herberto Herder se apropria de outros textos: da
crônica de Fernão Lopes, dos discursos bíblicos, dos ficcionais e lendários em torno de
Inês; devora-os (ainda que seja para, em seguida, devolvê-los subvertidos) e, ao mesmo
tempo, os revivifica, já que eles habitam o conto e crescem nele; eis aí o grande
paradoxo do texto paródico, que é, simultaneamente, manifestação de continuidade,
transferência e reorganização do passado, sem excluir a crítica e a avaliação.
Por outro lado, recuperam-se aí, também os dogmas sacrificial e salvífico do
mito cristão, os quais, invertidos em sua função, constituem o álibi de um assassino.
Este é um ponto muito curioso da composição do conto: em seu jogo discursivo, o
narrador, um assassino flagrado no exato momento da sua punição, da sua execução,
consegue argumentar a seu favor e inverter o julgamento moral da história, de modo a
justificar-se e, até mesmo, a vangloriar-se de seu ato; ele passa a ser o mártir que, graças
a seu crime, imprime ao povo a quem seu ato serviu um matiz diferenciador que o eleva
em relação aos outros povos – que, enfim, o mitifica.
Podemos assim argumentar que a ficção que, para desmitificar, remitifica em
chave paródica, pode estar interessada em desvendar o jogo de espelhos da ideologia
dominante, em desmascarar as falsas aparências, revelando o oculto e criando
artisticamente novas miragens narrativas, novos mitos estéticos. Tais narrativas lançam,
pois, o mito contra o mito, revelando o modus operandi do mito histórico-social
original que lhe serviu como ponto de partida.
Essa desmitificação operada pela ficção tem, assim, dupla função: ética e
ideológica, já que visa a denunciar as máscaras superpostas por trás das quais se
esconde o discurso oficial. Ao longo de toda a narrativa, Pero espalha pistas para que
sejam decodificados traços de uma sociedade que se esconde sob o véu de uma
religiosidade hipócrita e enganadora, capaz de cometer atrocidades que se justificam
pela fé, pela pureza e pela benevolência: “Somos também um povo cheio de fé. Temos
fé na guerra, na justiça, na crueldade, no amor, na eternidade. Somos todos
loucos.”(HELDER, 1975, p. 119)
Pero, que morreu para salvar o amor do amor, diz também que “o povo só terá
de receber-nos como alimento, de geração em geração”(HELDER, 1975, p. 121). Nesse
sentido, Helder propõe-nos a leitura de sua narrativa como um ritual de presentificação.
Lê-lo é comungar dessa história inalienável do imaginário lusitano, é realizar, pela
leitura – e a cada vez – o “milagre da sua ressurreição”.
A mistura ou confluência de tempos e de espaços no texto é também
significativa: essa dinâmica dessacraliza os procedimentos da cronologia histórica,
preocupada com as datações, os monumentos, os registros comprobatórios dos
acontecimentos. Helder revela, assim, a perda de sentido do fato histórico isolado,
datado e paralisado num espaço-tempo abstrato, cujos referentes não mais remetem à
complexidade das ações humanas ou das relações sociais que os engendraram, mas são
tão-só monumentos inertes, frios, preenchendo espaços públicos sem memória: “O
marquês de Sá da Bandeira é que ignora tudo, verde e colonialista no alto do plinto de
granito. As pombas voam em redor, pousam-lhe na cabeça e nos ombros, e cagam-lhe
em cima”.(HELDER, 1975, p. 120)
O “caso” de Pedro e Inês, assim, descola-se de seu tempo e de seu espaço
quando passa a circular – ou melhor, quando por ele passam a circular referentes
anacrônicos, desde os que remetem ao período manuelino, das grandes navegações, aos
referentes à modernidade, marcada pela presença do cláxon do automóvel, que remete
ao tempo da enunciação, da construção do texto.
A propósito: Herberto Helder escreve o conto quando Portugal, sob a ditadura
salazarista, sofre com o “silêncio das falas”, conforme Maria de Lourdes Netto Simões
(1998) denomina aqueles tempos de recrudescimento da censura. Esse é um dado
fundamental para a construção do sentido desse teorema: a articulação temporal e a
justaposição de espaços no conto levam à crítica e à autocrítica histórica, pela analogia
entre os contextos em cena – analogia não só entre os espaços que desembocaram na
modernidade, arquitetonicamente saturada de imagens e estilos dissonantes (o espaço do
kitsch) mas, fundamentalmente, analogia entre os homens que, em sua síntese,
representam o homem português: “Somos um povo bárbaro e puro, e é uma grande
responsabilidade encontrar-se alguém à cabeça de um povo assim. Felizmente o rei está
à altura do cargo, entende a nossa alma obscura, religiosa, tão próxima da
terra”.(HELDER, 1975, p. 119). Dessa forma, Helder vai traçando a identidade – pela
analogia entre passado e presente – desse povo português (idólatra e “cheio de fé”) e de
seus líderes: à figura de D. Pedro sobrepõe-se a de Salazar e de seu regime repressor.
A ironia como estratégia construtiva desse texto nasce na tensão dos elementos
discursivos selecionados e articulados – retrabalhados – pelo autor. Helder insere a
História na história e simultaneamente a subverte, vira-a do avesso ao parodiar seus
referentes. Com isso, burla a censura de uma época de repressão e de enquadramento
policial. Por meio da alegoria, supera o silêncio imposto e a sua condição. Daí, no texto,
a identificação, ambivalente, com o “marginal” Pero Coelho, a que dá a voz: ambos
personagens periféricos da História, ao serem devorados pela engrenagem do poder
censório, ambiguamente – pelo ato criador – irão crescendo dentro do rei que lhes
comeu o coração – alquimia possível apenas no plano da arte que, pelo discurso, a tudo
recria e, assim, supera.
Referências bibliográficas
BESSA-LUÍS, A. Adivinhas de Pedro e Inês. Lisboa: Guimarães, 1983.
HELDER, H. Teorema. In: ______. Os passos em volta. 5ª. ed. Lisboa: Assírio e Alvim, 1975.
BARTHES, R. Mitologias. São Paulo: Difel, 1975.
DURAND, G. Imagens e reflexos do imaginário português. Lisboa: Hugin, 2000.
SENA, J. de. Estudos de História e de Cultura. Lisboa: Ocidente, 1963. v.I.
SIMÕES, M. de L. N. As razões do imaginário. Salvador: Casa de Jorge Amado/Editus, 1998.
SOUSA, M.L.M. Pedro I de Portugal e Inês de Castro. In: CENTENO, Y.K. (Coord.)
Portugal: mitos revisitados. Lisboa: Salamandra, 1993.

Análise crítica do conto " D. Pedro I e Inês de Castro ", do livro "Triunfo do amor português", de Mário Cláudio

Em entrevista ao jornal Diário de Notícias, Mário Cláudio afirma que o que vamos encontrar, neste “Triunfo do Amor Português", é “Uma dimensão da urgência e da permanência do amor”, sendo que o que existe de comum nestas histórias de amor é “A transgressão”. É precisamente este factor de transgressão (e não propriamente um factor de culpa, como alguns poderão pensar), que encontramos no conto “Dom Pedro I e Inês de Castro”. Nesta transgressão Mário Cláudio coloca em causa uma racionalidade, um sentido, assente na modernidade judaico-cristã. É esta, em última instância, que é colocada em causa. O ”sentido” para o autor, é afinal o sentido mais verdadeiro: o sentido da irracionalidade dos pássaros (pág. 55), do amor, da vida (como apenas a outra face da morte), o sentido do corpo (que é apenas a outra face do espírito). E este sentido, que é um “sem sentido”, faz-se som dominante. Até porque o sentido e/ou racionalidade medieval não coloca as visões de vida e morte como antagónicas, tal como não o são as do real e da magia. Desta perspectiva, neste conto não existe uma questão de “ou”, "ou". Quase sempre, é uma questão de “e”. O amor "e" a natureza, "e" a vida, "e" a morte; a razão "e" a des-razão". O próprio sentido dominante é trucidado pelas gargalhadas do rei, através de um excesso cómico, lembrando o excesso barroco, também da pós-modernidade. Não concordo, nem o conto a exprime, com a ideia de que “Não há amor sem culpa”. Transgressão não significa culpa, e é desta transgressão que essencialmente trata este conto. Na imagem de D. Afonso IV, a depor uma cruz sobre o tampo de carvalho, o rei pretende livrar-se precisamente da sua culpa de amor, fosse o amor ao reino, fosse o amor a Inês de Castro (pág. 54), uma vez que a cruz traz, em si mesma, esse sentido de culpa. Este conto assenta numa estrutura do “acordamento”, que passa à viagem metafórica (meta-phoreia-transladar), a viagem em que se acompanha a outra, a literal: a do cadáver, de Coimbra a Alcobaça. As analepses existentes no conto, constituem uma viagem paralela: pela história do amor e pelo questionar/pelo reflectir sobre a sua natureza. As duas viagens, que são uma, terminam na “revelação” do sonho.Refira-se, como afirma Stephen Wilson, no posfácio à segunda edição do “Camões” de Ezra Pound, a importância dada por Pound à viagem, exumação e coroação póstuma (contrariamente a Camões), num “processo de actualização”, que, Pound considerava “como a tarefa principal do artista”. E, é essa “actualização” que a prosa de Mário Cláudio, permanentemente nos oferece. O texto decorre através de uma linguagem neo-formalista, que tenta recuperar um português primitivo, como primitivo é o lugar do amor e do sentido anterior a todos os sentidos. O amor como criação. Encontramos um narrador (D. Fernando), homodiegético (na terminologia de Genette) e não omnisciente. É neste narrador, que vai assentar toda a estrutura do conto, seja ao nível do “estranhamento” ou do “acordamento”. É através do narrador que se vai formando a ideia de uma Inês, uma personagem à volta de quem giram várias e complexas relações. Repare-se na relação entre Inês e Dona Constança. Será amizade, amor, ciúme ou outra relação ainda mais intrigante? (até porque a dificuldade do amor assenta precisamente na sua não compreensão, na sua não - humanidade – ele é para além de nós). Daí se poder questionar (pág. 46) de quem teria Dona Constança ciúmes. Seria de Pedro, ou de Inês? O autor e/ou narrador deixa-nos numa encruzilhada, simbolizada no jogo de xadrez a que Dona Constança se entrega. O xadrez, como possível metáfora do poder (político, económico ou moral), mas sobretudo do poder do amor. Na página 49, existe mesmo uma alusão, uma suspeita de quase "incesto", na relação entre D. Afonso e Inês de Castro. O próprio narrador (D. Fernando) refere (pág. 47): “plantou-se meu pai como se guardasse a que fora sua, e creio que sua apenas”. Porquê esta re-afirmação do narrador? Será que foi mesmo de mais alguém? De D. Afonso IV, Dona Constança, de um outro desconhecido? Aliás, importa referir que se o carácter de D. Pedro nos é apresentado como o de um homem desequilibrado, sob uma forma animalesca, Inês, como refere o narrador, não é nenhuma santa (pág. 47): ela é homenageada, não por ser santa, mas por ser desgraçada como todos eles. É uma anti-heroína. Perpassa, como fundamental neste conto, a celebração da vida através da celebração da morte (daí a reposição da “dança da morte”, uma “dança macabra”(na pág. 48), onde se mostrava e evidenciava , “o primado da vida”). Aqui, o amor está ligado à morte e à vida, à celebração da própria natureza (e não à celebração das normas éticas e morais de uma sociedade). Repare-se nas mágoas de D. Pedro, “curadas” pela madrugada, nos casebres das moças que dormiam. Na presença da morte, a sexualidade, a vida. A morte surge como festa, celebrando a vida: como na natureza do próprio amor. Atente-se no pormenor que é a sobreposição do orgasmo de D. Pedro ao último suspiro de Dona Constança. Não existe neste conto - nem na natureza do amor - separação entre vida e morte. Pode-se dizer, tendo em conta o que diz o narrador (pág. 52): “como se a paixão maldita que não se extingue permanecesse”, uma vez que a impossibilidade de deixar de amar é igual à impossibilidade do triunfo da morte absoluta”. Daí que D. Pedro vá vivendo o seu amor - entregando-se à morte - da própria amada e dela fazendo rainha. Regresso por fim ao narrador, D. Fernando, que é na verdade a personagem essencial deste conto. Nele vamos encontrar uma permanente des-identidade. Como é sugerido (pág. 56), ele é simultaneamente Inês, mulher, homem, alguém que está preso num espartilho (que diariamente lhe colocavam, com as suas vestes), que é o espartilho da sociedade. O espartilho do poder, político, ético, cultural e social com que não se identifica. D. Fernando não consegue livrar-se da imagem da mãe; logo, não poderá amar a mulher, Dona Leonor, que, tal como todas as mulheres, lhe lembra a mãe. Precisa urgentemente que o rei morra, condição para não continuar a submeter-se ao seu poder falocêntrico, ao poder do homem que odeia e simultaneamente ama com desespero. Atrevo-me a afirmar (como diria Freud), verificar-se em D. Fernando uma questão edipiana por resolver. Razão para se falar de homossexualidade? Talvez, embora hoje, muito discutível, pois todos os símbolos da sua "identidade", - de uma identidade que lhe é imposta do exterior, e que o castra -, são a principal razão que o impede de amar, de possuir o “amor verdadeiro”. O seu amor, como todo o verdadeiro, é o amor dos condenados (de certa forma, embora noutra perspectiva, o mesmo acontece entre D. Pedro e Inês, pelo menos ao nível da leitura literária-histórica), dos que estão fora do sentido dominante, dos fora da lei e da ordem, social e moral. Por isso, o “bobo”, (personagem fortíssima da literatura, nomeadamente no teatro shakesperiano), o "bobo Fernando", onde se afronta a ordem instituída, mas em cuja "desordem" estamos mais próximos da verdade – e, neste caso, da verdade do amor. É, tal como refere Charles Bernstein, num ensaio que me foi dado a ler numa aula de Poética e Escrita Criativa, é a comédia e/ou cómico (não a ironia "educada"): a "estilhaçar" a ordem do real. Todo o final do texto é pathos (excesso) e grotesco, erro e criação, morte e vida e morte. Uma visão do amor, como sinónimo da visão do inferno, mas, como referi, sem existência da culpa - um inferno sem culpa. Talvez o que nos fica seja o temor perante a transgressão, mas desligada da culpa. Por isso, atrevo-me a considerar este conto uma celebração do amor, desse amor puro e transgressor. Porque o amor é sempre uma afronta a todo o sentido instituído. É a liberdade absoluta perante qualquer ordem e/ou poder instalado, seja ele social, político, moral, cultural ou religioso. Uma liberdade perante todas as formas de linguagem e seu poder. Concluindo, estamos perante um texto extraordinário, onde o cenário de Coimbra se apresenta como o ideal para a história e para a pureza do amor. Amor, que, através da palavra de Mário Cláudio, procura a liberdade absoluta do ser humano, para um sentido outro, na vida e na morte.
Análise da autoria de João Rasteiro.

Morte de Ines de Castro :(



A morte de Inês de Castro é um dos mais belos episódios líricos presentes na epopeia e pode-se mesmo considerar que as principais características da tragédia clássica estão patentes:
Há o desenvolvimento de uma acção, que termina com a morte da protagonista;
Observa-se a lei das três unidades (acção, tempo e espaço);
Há uma motivação para sentimentos de terror e piedade pelo uso de contrastes;
A catástrofe é simbolizada pela morte da protagonista.

Tal como o episódio da “Fermosíssima Maria”, também este se divide em três partes.
A primeira, referente as causas da morte de Inês, vítima do amor.
A segunda, constitui o desenvolvimento em que se descreve o modo de vida feliz e despreocupado que Inês tinha em Coimbra - é apresentada a razão de estado para que Inês deixe a vida, pois o perigo que representa a ligação de D. Inês com D. Pedro, receia o domínio espanhol.
O poeta põe em questão a grandeza moral do Rei por solucionar o problema de seu reino mandando matar a sua própria filha:
“Tirar Inês ao mundo, determina”;
“Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada?”.
Também nesta segunda parte é redigido o discurso suplicante de Inês ao rei de Portugal, seu pai. Ela utiliza súplicas e argumento para comover o Rei na sua determinação - apresenta a sua situação de mãe e a orfandade de seus filhos, declara-se inocente perante toda a situação de futuro conflito, comove o rei dizendo-lhe que sendo um cavaleiro que sabe dar morte, também sabe ”dar vida, com clemência” e como alternativa à morte, dá preferência ao exílio.
A terceira e última parte, constitui a reprovação do narrador, sublinhada pelo pranto comovente das “filhas do Mondego” e pela animização da Natureza, que chora a morte de Inês, sua antiga confidente.

Texto daqui.

Diário de D.Pedro



Video daqui.

TU, SÓ TU, PURO AMOR, COM FORÇA CRUA / Paula Soares


D.Inês de Castro de Afonso Lopes Vieira

D. Inês de Castro

Choram ainda a tua morte escura
Aquelas que chorando a memoraram;
As lágrimas choradas não secaram
Nos saudosos campos da ternura.

Santa entre as Santas pela má ventura,
Rainha, mais que todas que reinaram,
Amada, os teus amores não passaram
E és sempre bela e viva e loira e pura.

Ô linda, sonha aí, posta em sossego
No teu muymento de alva pedra tina,
Como outrora na Fonte do Mondego.

Dorme, sombra de graças e de saudade,
Colo de Graças, amor, moço menina,
Bem-amada por toda a eternidade!

Ver aqui.